Valiosa biblioteca de 3500 títulos que vai à praça na quarta-feira está a agitar o mercado
Revistas raras e primeiras edições em foco no espólio bibliográfico de Alfredo Ribeiro dos Santos
Entre os livreiros, alfarrabistas e coleccionadores portugueses, reina, por estes dias, uma agitação incomum. A partir da próxima quarta-feira, uma das mais afamadas bibliotecas particulares do Porto, pertencente ao médico Alfredo Ribeiro dos Santos, vai a leilão. Pelo salão nobre da Junta de Freguesia do Bonfim, no Porto, deverão passar até ao dia 11 muitas centenas de especialistas e curiosos, interessados em ver de perto o que Mário Soares, amigo de longa data de Ribeiro dos Santos, definiu como “um raro e precioso acervo de livros, jornais e revistas, altamente representativos do século XX português, obviamente orientado numa perspectiva republicana, socialista e laica.”
Os 3500 títulos que vão à praça encontram a sua expressão máximo nos periódicos. Da “Orpheu” e “Portugal Futurista”, referências obrigatórias do movimento Modernista, às míticas “Centauro” e “A Águia” – cujo valor comercial poderá atingir os 10 mil euros -, o acervo de publicações angariadas por Ribeiro dos Santos durante mais de meio século impressiona pela raridade. Mas é a colecção completa da “Presença” que promete bater recordes. “Pode facilmente atingir os 25 ou 30 mil euros”, asseguraram-nos.
Primeiras edições preciosas
As primeiras edições, há muito esgotadas, também abundam na oferta disponível. Fernando Pessoa, Aquilino Ribeiro, Cesário Verde, Eugénio de Andrade, Tomás de Figueiredo ou Agustina Bessa-Luís são apenas algumas das centenas de autores representados na colecção do nonagenário médico. Só a edição especial da célebre antologia “Daqui houve nome Portugal” possui um valor de mercado “nunca inferior a 750 euros”, segundo apurámos.
“É preciso recuar vários anos para encontrar um leilão, realizado no Porto, com esta dimensão”, confirmou Manuel Ferreira, livreiro a quem Ribeiro dos Santos entregou a “dolorosa missão” de organizar a venda.
A importância do leilão é corroborada por vários alfarrabistas contactados pelo JN, alguns dos quais, todavia afirmam, a título confidencial, que, “existem à venda muitos monos, que deverão ser vendidos ao quilo…”
Preços sem base mínima
Para a curiosidade dominante, contribui também o facto de o catálogo não disponibilizar a base mínima de licitação. “Não é normal que tal aconteça. Interpreto esta medida como uma tentativa de aumentar ainda mais a expectativa”, explicou-nos um alfarrabista que preferiu manter o anonimato.
Para “minimizar o choque”, Alfredo Ribeiro dos Santos não irá assistir ao leilão, mas promete despedir-se, na terça-feira, dos livros que habitaram a sua existência desde sempre, quando a colecção estiver exposta na Junta do Bonfim.
A hipótese de doar a biblioteca a uma instituição pública chegou a ser ponderada pelo coleccionador que, todavia, logo a descartou, mal se apercebeu do destino que tiveram idênticos acervos cedidos por antigos colegas a organismos como a Gulbenkian. “Estão perdidas para sempre em caves e inacessíveis ao público”, lamentou o bibliófilo.
“Tudo sobre o leilão que promete bater recordes”
“Exposição antes da Venda”
O arranque do leilão está marcado para Quarta-Feira, dia 3, mas já na véspera será possível ver as obras em licitação, expostas na Junta de Freguesia do Bonfim.
Expectativa incomum
Só nos últimos dias chegaram às mãos dos promotores “largas dezenas de pedidos de representação”, confirmou ao JN Herculano Ferreira, sócio-gerente da Livraria Manuel Ferreira. O procedimento é o normal: impossibilitados de marcar presença, os bibliófilos endossam uma procuração, revelando os livros em que estão interessados e qual o montante que estão dispostos a gastar.
Clientela diversificada
De alfarrabistas aos coleccionadores e bibliófilos, sem esquecer os obrigatórios mirones, a frequência de um leilão do género é mais diversificada do que se poderia pensar, “Não há um comprador-tipo”, avança Herculano Ferreira.
As regras dos leilões
Todos os potenciais compradores devem fazer uma inscrição prévia no local. Além de não serem aceites reclamações após a arrematação, os compradores terão que, se tal for solicitado, entregar um sinal de, pelo menos, 30% do valor em causa. A liquidação da verba deve acontecer até 15 de Outubro.
Ocasião rara
Assistir a um leilão com a envergadura do que vai ter lugar na Junta do Bonfim é uma ocasião rara.
Mas acontece. No ano passado, por exemplo, a vasta biblioteca do professor universitário e tradutor Paulo Quintela foi a leilão, em Coimbra, atraindo largas dezenas de interessados.
“O melhor destino de uma biblioteca é ser vendida a outros bibliófilos”
- Promotores do leilão desdramatisam risco de dispersão
- Apesar da discrição, livros raros movimentam milhões
- “É um investimento seguro”, defendem especialistas
Quase nunca faz parangonas dos jornais ou abre noticiários televisivos, mas o mercado de livros raros movimenta todos os anos largos milhões de euros. A raridade e o estado de conservação são os dois critérios fundamentais que podem fazer disparar o valor de uma edição, disputada com fervor tanto por profissionais (livreiros e alfarrabistas) como por coleccionadores e bibliófilos. gry kasyno jednoreki bandyta za darmo
“É, acima de tudo, um investimento seguro e imune a grandes crises ou variações. As especulações, por norma, não têm lugar nesta área”, explicou ao JN Herculano Ferreira, sócio-gerente da Livraria Manuel Ferreira , organizadora do leilão da biblioteca de Alfredo Ribeiro dos Santos, que vai à praça já na próxima semana.
Com o secretismo a ditar leis, qualquer prognóstico sobre o hipotético valor a atingir por uma determinada edição é negado pela maioria dos alfarrabistas, cientes de que uma dica extemporânea pode fazer subir em flecha o valor do livro.
O risco de dispersão do espólio é de pronto afastado pelos promotores, que consideram a publicação do catálogo como “a melhor maneira de fazer perdurar a colecção, passível de ser sempre consultada no futuro”.
Uma biblioteca é sempre feita de outra biblioteca. bet365-zaklady sportowe online Esta irá dar origem a novas, tal como na sua origem partiu das existentes”, desdramatisa o livreiro Manuel Ferreira, para quem “o melhor destino que se pode dar a uma colecção é vendê-la em leilão, pois há a certeza de que os livros vão parar a quem gosta deles”.
Algumas das principais raridades bibliográficas que vão a leilão a partir de 3 de Outubro
Orpheu
Uma das peças mais valiosas de todo o leilão, a revista “Orpheu”, de que se publicaram apenas três números, representa a vanguarda do Modernismo português. Uma edição histórica
Manifesto Anti-Dantas
Reza a lenda que quase todos os exemplares desta mítica edição, já de si limitada, terão sido adquiridos por Júlio Dantas, com o objectivo de reduzir o impacto da publicação, violento libelo contra si. Também de Almada, vão a leilão os não menos raros “K4 – O quadrado azul e “Pierrot e Arlequim”.
A Águia
A história da Renascença Portuguesa é indissociável da existência de “A Águia”, revista publicada entre 1910 e 1932 em que colaboraram vultos como Pessoa, Sá-Carneiro, Unamuno, António Sérgio, Cortesão e Pascoaes.
“Valiosa e muito rara”, a colecção é constituída por 12 volumes, de que fazem parte 205 números.
Presença
De 1927 a 1940, o movimento Modernista teve na revista “Presença” o órgão oficial. Nos três volumes da colecção, encontram-se textos de Régio, Pessoa, Sá-Carneiro, Gaspar Simões, Torga e Fernando Namora.
Indícios de Ouro
Colecção limitada a 30 exemplares, que Álvaro Bordalo deu à estampa am 1951. Nos oito números, encontram-se textos de Sá-Carneiro, Pessoa e Nobre.
Gazeta Litteraria do Porto
Camilo Castelo Branco assina a maior parte dos textos incluídos na publicação, datada de 1868, mas é também possível encontrar artigos de Ramalho Ortigão, Ana Plácido e Pinheiro Chagas. Com luxuosa encadernação em pele, debruada a ouro, o exemplar encontra-se “sem qualquer dos figurinos que o deveriam acompanhar”.
A Renascença
É uma das preciosidades da biblioteca: a colecção completa de “A Renascença”, o designado “órgão de (…????)
Sol Nascente
Agostinho da Silva, Alves Redol ou José Régio. A lista de autores que colaboram neste quinzenário de ciência, arte e crítica – de que se publicaram 45 volumes, entre 1937 e 1940 – traduz a sua importância histórica.
A Maçonaria
Nesta edição, Fernando Pessoa analisa o movimento maçónico, que concebia como “uma vida” mais até do que uma ordem secreta. O autor de “Mensagem” está fortemente representado no leilão, de que é exemplo o folheto “O interregno”, em que faz uma defesa da ditadura militar.
Clepsydra
A única obra poética publicada em vida por Camilo Pessanha surge aqui na primeira edição.
Portugal Futurista
Um número bastou para que “Portugal Futurista” adquirisse uma importância histórica incontornável.
Daqui houve nome Portugal
Primeira edição da lendária antologia de textos em prosa e verso sobre o Porto, organizada por Eugénio de Andrade. Numerada e autografada pelo poeta, a edição surge num estojo próprio, ilustrado com a reprodução do foral doado por D. Manuel ao Porto.
Pão Ázimo
Do terceiro livre de Miguel Torga, publicado ainda com o seu nome de baptismo (Adolfo Rocha), restam hoje escassos exemplares.
Praça da Canção
O livro que marcou a estreia de Manuel Alegre não tardou a ser proibido pelo Estado Novo. A edição que vai ser agora leiloada é a inaugural, por isso mesmo, deverá ser amplamente disputada.
Cartilha do marialva
Autêntica raridade, o livro (…????)
Perfil: Alfredo Ribeiro dos Santos
Idade: 90
Profissão: Médico
“Alfredo Ribeiro dos Santos, com uma vida já longa e uma magnífica lucidez, deixou sempre, por onde passou, um rasto de simpatia, de humanidade, de aprumo pessoal e de respeito verdadeiramente invulgares”. As palavras de Mário Soares – a amizade entre ambos remonta aos tempos do MUD (Movimento de Unidade Democrática) – ajudam a perceber a dimensão cívica invulgar de um homem que, pese embora a formação em Ciências, encontrou desde cedo nas Letras um aliado poderoso para a compreensão do mundo. De Leonardo Coimbra, de quem foi discípulo, a Agostinho da Silva ou Óscar Lopes, Ribeiro dos Santos privou de perto com os espíritos mais brilhantes do seu tempo. “Mas se tivesse que escolher a personalidade mais fasinante que conheci seria Jaime Cortesão”, afirma o médico, cuja oposição ao anterior regime acabou por criar-lhe vários obstáculos profissionais.
O gosto pelos livros começou cedo. Sorvidos todos os “Texas Jack” e “Sherlock Homes”, descobriu Eça de Queirós no início da adolescência e não mais parou de acrescentar autores à sua lista de indefectíveis, sobretudo os visados pela censura. Não admira, por isso, que boa parte da sua colecção tenha sido adquirida sub-repticiamente em livreiros e alfarrabistas. automaty online za pieniadze A proporção lendária entretanto atingida pela sua biblioteca pessoa tornou-a, ao longo dos anos, um objecto de consulta privilegiada para estudiosos e investigadores.
A participação em numerosas tertúlias inculcou-lhe a paixão pelo movimento da Renascença Portuguesa, de que se tornou um conhecedor profundo. Ajudou então a fundar a Nova Renascença, ao lado de José Augusto Seabra, e integrou a direcção da revista publicada por este movimento cultural. Indiferente à passagem dos (….????
“A decisão mais difícil da vida”
O que leva um bibliófilo inveterado a desfazer-se de uma colecção à qual devotou milhares de horas durante mais de meio século? Alfredo Ribeiro dos Santos, o médico portuense que acumulou um notável acervo bibliográfico representativo das principais correntes literárias do século XX, confessa ter-se tratado da “decisão mais difícil” da sua vida. A degradação recente da vista – destino cruel para quem sempre teve na leitura uma companhia inseparável será o principal motivo. As limitações da visão são tais que o acto de ler só se torna agora possível através do recurso a um dispositivo que amplia o tamanho dos caracteres. “A falta de espaço”, provocada por uma separação conjugal recente, contribuiu ainda para a decisão.