UM CONCERTO por Maria João Pires, esta noite, na Fundação Dr. António Cupertino de Miranda, assinala o 40º aniversário da Livraria Manuel Ferreira, no Porto. A receita reverterá a favor da Associação Portuguesa para o Direito de Menores e da Família, instituição à qual Maria João Pires tem devotado um carinho muito especial.
É também uma relação de amizade – mais até do que os laços familiares – que leva a pianista a associar o seu nome à história da livraria de um renomado alfarrabista portuense. Uma parceria que, aliás, tem já outros precedentes, o mais recente dos quais foi a edição pela livraria (com a chancela ‘”in-libris”) da versão portuguesa do romance “A Viagem Magnífica”, do francês Yves Simon, que foi também pretexto para o disco que Maria João Pires gravou com os “Improvisos” de Schubert (Deutsche Grammophon, 1997).
Manuel Ferreira, 67 anos, é um amante de livros desde a infância, e a livraria que ostenta o seu nome surgiu como consequência lógica dessa vocação. “Sou livreiro desde os 12 anos”, confidencia o próprio ao PÚBLICO, explicando que começou a comprar livros para ler, e a vendê-los, de seguida, para ter acesso a novos títulos. O negócio livreiro surgiu, assim, naturalmente, e foi ainda adolescente que começou a utilizar a montra da loja de móveis de seu pai. “As coisas foram crescendo naturalmente”, diz o livreiro. De tal modo que o pai o impeliu a montar a sua própria livraria. Foi assim que alugou a loja da Rua Formosa – hoje sua propriedade-, que abriu no dia 2 de Março de 1959.
Para além do negócio, Manuel Ferreira foi cultivando uma relação afectiva com os livros e com os clientes. E a sua loja – como outras da cidade – foi-se tornando lugar de tertúlia e discussão à volta da literatura e da vida. “Há 30, 40 anos, vivia-se um tempo muito diferente, e as livrarias eram lugares de encontro, agora, as pessoas não tê, tempo para isso”, recorda o livreiro. E foi assim que pelo seu círculo de clientes passaram nomes conhecidos da vida literária. De entre eles recorda especialmente José Régio – “que procurava os romances populares do século XIX” – e Alberto de Serpa, também uma figura da “Presença”.
Mas apesar dos tempos serem hoje diferentes, Manuel Ferreira não tem nenhuma preocupação especial quanto ao futuro da sua actividade – e da sua livraria, que está assegurado pela vocação transmitida e já assumida pelos seus dois filhos. Sem ignorar o impacto negativo que o audiovisual e as novas tecnologias tem sobre o mundo dos livros, Manuel Ferreira acredita que “há-de haver uma contraforça na defesa daquilo que existe. zakłady bukmacherskie internetowe ”
Ao longo de mais de meio século de actividade, o livreiro guarda a memória de alguns momentos especiais. O mais forte de todos foi a transacção, há alguns anos, duma primeira edição de “Os Lusíadas”, a pedido de um cliente que se viu na contingência de o vender por razões familiares. Sem revelar a identidade do vendedor nem do comprador – ambos portugueses -, o alfarrabista admite, no entanto, satisfazer a curiosidade do jornalista, calculando que, hoje, uma raridade daquelas pode valer 30 mil contos. Mas logo esclarece que as cotações deste género de livros depende mais de “factores subjectivos e afectivos” do que de qualquer critério comercial. wygrane zaklady sportowe
Outra situação que Manuel Ferreira recorda foi a organização, em 1988, do leilão do espólio de Alberto Serpa, para o qual organizou um catálogo minucioso. A satisfação maior desse leilão foi a de ter conseguido que os manuscritos do escritor tivessem ficado na posse da Biblioteca Municipal do Porto. O mesmo aconteceria, alguns anos depois, com um conjunto de manuscritos medievais que lhe chegaram às mãos e que acabaram por ser adquiridos para o Arquivo Histórico do Porto, mesmo que, para tal, tenha recusado vendê-los em particular. “Disse-lhes mesmo que preferia vendê-lo a uma universidade americana do que a um particular português”, revela o livreiro, justificando que assim sabia que a esses documentos seria dado “um destino de interesse público. “. Esses documentos permitiriam, aliás, revelar pormenores da história do Porto medieval até então desconhecidos.
Agora, entre os milhares de livros de que dispõe, nas prateleiras mais reservadas da sua loja, Manuel Ferreira guarda duas pérolas: uma “Relação de uma Embaixada de Obediência” ao Papa, escrito por D. Francisco de Sousa, datado de 1670; e um manuscrito “De Incantationi Bussevensalmis”, de Manuele do Valle de Moura, editado em Évora em 1620. lotto zaklady online Valem, respectivamente, mil e seiscentos contos.
Em contacto com os livros mais belos ou valiosos que lhe surgem, Manuel Ferreira confessa que já há muito tempo resolveu o dilema de saber se deve guardá-los para si ou comercializá-los: “Vendo-os sempre; se não, seria o meu cliente mais ruinoso”.