ECCO DA VERDADE, // DO // AMIGO DA PATRIA, // EM // DEFEZA DOS DOLORIDOS. [Lisboa: 1885 [sic]. Na Typ. de Filippe Nery.— ‘Rua da Prata n.º 17.’ // Em 22 de Dezembro. In- 8.º de 8 págs. Desenc.
Contundente e muito curioso opúsculo datado a 27 de Novembro de 1835 ‘Por um Amigo que ainda existe enfermo, dos males que annuncia’, onde o encoberto e desiludido autor reflecte o estado da nação após 30 meses decorridos da ‘Convenção de Évora-Monte’ que pôs termo à Guerra Civil Portuguesa.
“[…] Onde estão os direitos da Guerra para com os feridos, heróes, e para com as Viuvas dos que perecerão victimas do despotismo, e na paz? Onde estão essas decantadas promessas aos leaes militares, e áquelles que se exposerão por mil modos para a vinda da Liberdade? Quanto senão faz custoso a estes o verem passear-lhe nas barbas os miguelistas bem conhecidos, façanhudos, e sem lhe poderem tornar na mesma moeda uma diligencia prompta, cega, e barbara? Deste modo o miguelismo passea contente sem perigo, e apadrinhado. Já não lembrão as restrictas prisões, os bens perdidos, as falsas accusações, o rigor, o genio baixo, os cadafalsos, as forcas, os esconderijos, e a final toda a possivel barbaridade posta em execução. Já tudo esqueceo para que os Professores, os frades bons, os bravos soldados, as Viuvas, e o Clero bom, tudo seja detreorado [sic] de seus direitos. Os Professores, que tinhão Cadeiras de Propriedade, e que estas erão suas fazendas, forão lançados fóra, para irem estudar como meninos, o que não pertence ao ensino primario, nem á sua idade […].
“Quando eu combati pela Liberdade, inda antes de Portugal restaurado, julguei que seria outra couza. Julguei que um Frade, visto o tempo, podia ter sentimentos de qualquer partido, segundo o livre pensar de cada homem, com tanto que por elles não fosse nocivo ao Governo existente, e que sendo isto assim, o Frade não devia ser julgado, como um homem abandonado de toda a sociedade, quazi sem existencia, e mendigando, como eu tenho visto. Elle he um vivente nosso similhante, susceptivel de sentimentos, nós o devemos soccorrer, assim como nunca faltar lhe com o sustento, e castigalo, quando se achar cumplice. Julguei que se daria merito e premio aos Guerreiros, e a outros. Julguei que só se punia o crime, e que se atendesse á Carta. Julguei que aos Professores só fosse bastante o exame, que elles já tinhão feito na ‘Leitura, Escripta, Orthographia, Grammatica’, as 4 especies, e uso das mesmas, e que havendo um maior numero de Aulas pelo Reino, os pais fossem obrigados a lá metterem os filhos: isto seria bastante para a mocidade se instruir na baze verdadeira e propria a seus tenros annos para depois se dirigirem ao que se dedicassem: isto seria melhor do que lançar os Professores na rua, tirar-lhes suas fazendas, sem lhes dar outras. São homens que a maior parte delles pugnárão pela Patria, ali tinhão toda a sua fazenda, e para isso tinhão estudado: ao contrario a justiça he mal vista, e as familias dos mesmos ficão morrendo de fome. Julguei que os Frades não fossem lançados fóra dos Conventos, mas que uma reforma justa e primitiva, segundo a Ordem, os desbastaria pelo curso do tempo. Julguei que não chegasse a haver tão grandes dividas; porque seestabeleceria desde logo a industria na Agricultura, no Commercio, na Navegação, nas Artes, nas Sciencias, etc. Mas agora dividas na tropa de mezes, atrazo de quinze dias, tantos mezes nos Frades, não poucos nos Clerigos; o primeiro quartel do prezente anno a alguns Professores da Corte, fóra o atrazado do tempo que estiverão suspensos pelo governo do usurpador, nas Viuvas, nas Indemnizações, Tenças, e em outras muitas couzas. Julguei a final que os migueis me não passeassem na frente, que eu na paz, melhor que na guerra me podesse queixar, e se fizesse justiça ás suas tyrannas acções de outro tempo. E sobre tudo julguei que os males não fossem tão grandes, que não visse tanto pobre, tanta lástima, tanta doudice, e que me fosse necessario escrever isto […]”.
Opúsculo cremos que erradamente datado de 1885, impresso na Oficina de Filipe Nery; na última página o texto termina com o pseudónimo ‘Por um Amigo que ainda existe enfermo, dos males que annuncia’, datado em “Lisboa 27 de Novembro de 1835”; logo após o registo tipográfico, vem a data de 22 de Dezembro, cremos que alusiva à Lei da Liberdade de Imprensa, promulgada um ano antes, logo após abertura das ‘Cortes’ e da morte de D. Pedro IV.