FREIRE (Anselmo Braamcamp) & CASTILHO (Júlio de).— INDICES DO CANCIONEIRO DE RESENDE E DAS OBRAS DE GIL VICENTE. Lisboa. Typographia de Francisco Luiz Gonçalves. 1900. In-4.º de VII-I-114-II págs. B.
Raríssima e única edição deste muito útil índice, cuja tiragem foi limitada a apenas 20 exemplares numerados.
Conforme se lê no cólofon: “Acabousse de empremyr a tavoada de todalas cousas que estão no cançyoneyro geral & nos aylos. Foy ordenada & emēdada por Julio de Castilho & Anselmo Freyre fidalgos da casa delRey nosso senhor. […]”.
Do prefácio, assinado “Os novos «Obsequiosos» de Sacavem”: “Castilho, mais poeta que historiador, encontra pouco sabor e chorume poético em todo o ‘Cancioneiro’ de Garcia de Resende.
“Palavras suas: «Substancia poetica (valha a verdade) pouco se exprime do corpulento volume do ‘Cancioneiro’; quasi nenhuma, fôra expressão mais exacta» […]
“Tem toda a razão o Mestre; mas é também indubitável, a nosso ver, que, apesar da sua pobreza literária, é este ramalhete de flores velhas um padrão precioso, um arquivo abundante, um tesoiro de antiguidades nacionais. Estudal-o miudear-lhe as riquezas occultas, é serviço á investigação dos usos e costumes portugueses nos séculos XV e XVI.
“Ha ahi minucias interessantes, que em balde se buscariam nas chancelarias e nas chronicas, de usanças velhas, de trajos, de alfaias caseiras, de relações familiares do Rei com a sua corte, de amizades e inimizades dos cortesãos entre si, do papel que as senhoras representavam na sociedade alta, das liberdades, hoje inadmissíveis, então moeda corrente, do pendor epigramático e faceto do espirito nacional, da bonomia do viver antigo, das tendencias eruditas de alguns versejadores, filhos da Renascença, para o culto dos clássicos romanos, das microscópicas maledicências em que se entretinham os cavaleiros, quando descansavam, em Evora ou Almeirim, das fragas de Arzilla ou Azamor; e ha também embuçadas referencias genealógicas e históricas, que, observadas com critério, dão luz á Historia geral. […]
“Acham-se pois arregimentados n’este Indice todos os autores de trovas, esparsas, glosas, canções, cantigas, villancetes, motos, etc.; todos os destinatários; todos os sítios aludidos; todas as referencias, com que se topa n’este longo repositorio de factos esquecidos. […]
“Sendo, como é, pouco ‘poético’ (segundo a acepção culta da palavra), prova ainda assim este ‘Cancioneiro’ o poder latente, mas irresistível, que teve sempre a poesia perante as grandezas sociais. Percebe-se, por esta collecção anecdotica, tão livre e tão viva, que os versos em geral agradavam á nossa corte. Adivinha se quanto o orgulho nativo dos nobres e fidalgos da primeira plana confraternizava de bom grado com o estro de letrados burgueses. […]
“Ás pesquisas no ‘Cancioneiro’ juntámos aqui o Indice, um pouco menos completo, talvez, quanto a referencias locais, mas minuciosas bastante, das pessoas masculinas e femininas mencionadas nas obras de Gil Vicente. […]
“Pela sua indole, e pelo seu sincronismo, completam-se, e explicam-se muita vez, as alusões do ‘Cancioneiro’ pelas dos ‘Autos’, e vice-versa. Aos mesmos saraus, aos mesmos paços, ás mesmas festas litúrgicas, concorriam aqueles personagens; falavam a mesma língua, o mesmo calão cortezanesco; sabiam de cor os mesmos casos; conheciam-se entre si. […]
“Portanto: são egualmente fecundos mananciais, para a pintura da primeira metade do século XVI, o ‘Cancioneiro’ de Resende, e os ‘Autos’ de Gil Vicente; com uma diferença: este cá é um poeta a valer, um alto e sentimental poeta, com todos os adejos de um gênio de eleição. Até por esse lado compensa o grande Gil o que espaceia na collecção resendiana.
“Vão pois fundidos no mesmo Indice os dois livros.
“À intimação do alphabeto saíram á luz muitos nomes, que envolvidos entre outros passavam despercebidos; vieram enfileirar-se nos seus logares proprios; vieram contribuir, cada qual no seu tanto, para o acabado desenho de tão extenso painel.
“A utilidade pratica d’este catalogo fica portanto evidente.
“Dado o nome de um sujeito, sabe logo o estudioso, n’um relance de olhos, o que esse escreveu, a quem escreveu, as referencias que se lhe fazem, as anecdotas em que entrou, e muita vez algum traço biographico fugitivo, que o vem caracterizar. […]”
TIRAGEM ÚNICA DE 20 EXEMPLARES NUMERADOS E DEDICADOS MANUALMENTE POR JÚLIO DE CASTILHO. EXEMPLAR N.º 4 OFERECIDO AO COMPOSITOR JOÃO DE FREITAS BRANCO.
Na capa impressa em papel-pergaminho, a obra vem com o título «Tavoada do Cancioneiro geral & dos Autos», impresso a preto em caracteres góticos. Com bastante sujidade.