SOUSA (Dionísio Manuel de).— Relatorio succinto, porém veridico, dos acontecimentos havidos em Moçambique relativamente á exoneração do ex-Governador Geral della Joaquim Pereira Marinho, extrahido d’hum Folheto, impresso em Bombaim, na Typographia d[o] Pregoeiro. [PANGIM:— NA TYPOGRAPHIA NACIONAL. 1841 ?]1 folha dobrada em 4 págs.
Folheto de extrema raridade, impresso em Pangim [Goa], de que não obtivemos qualquer informação bibliográfica. A propósito do mesmo assunto, confirmamos a existência de um folheto com 62 págs. [Cartas ao redactor do Pregoeiro da Liberdade, sobre Joaquim Pereira Marinho, Governador Geral de Moçambique / Dionízio Manuel de Sousa] conservado na Biblioteca Nacional [Cota: L. 42270//5 P.].
“Julgo que me he desnecessario o demorar-me em traçar o retrato moral do Brigadeiro J. P. Marinho por que tantas são as queixas havidas contra elle, e tantos são os que tem escripto sobre o seu comportamento moral e politico, o que tudo tem apparecido em papeis publicos, que parece-me, que não haverá ninguem, que o não conheça: direi só que esse homem, por hum patronato demasiadamente escandaloso, e nimiamente criminoso, foi transferido do Governo de Cabo-Verde, theatro horroroso dos seus barbaros e revoltantes despotismos, para o Governo desta desgraçada Provincia de Moçambique, aonde chegou em 26 de Março de 1840.
“Não era de esperar que hum homem perverso por essencia, e encanecido na horrivel pratica de opprimir os seus semelhantes, se comportasse aqui de outra maneira que se não comportou em Cabo-Verde. Elle não aberrou da linha do circulo dos seus nefandos vicios (…). Os Povos do Ultramar, que raras vezes tem a fortuna de lhes vir governar hum homem verdadeiramente virtuoso, e por isso, por hum habito hereditario e inveterado, estão acostumados a olhar com indifferença, e paciencia stoica despotismos e violencias, quando elles não são extraordinarios e revoltantes: digo, estes Povos tão pacificos soffredores viram-se em tal desespero debaixo deste novo Nero, que fazendo exforços, que pareciam superiores ás suas capacidades, e meios, pelas poucas occasiões, que este paiz offerece de communicar-se com a Mãi Patria, dirigiram-se a Sua Magestade já por si, já pelos seus honrados Empregados, representações e arguições documentadas contra o dito Marinho, que a Soberana foi servida exonera-lo do dito Governo por seu Decreto de 20 de Dezembro de 1840, em menos de 9 mezes, contados desde a sua posse. (…)
“Como os tyranos conhecem, que não podem fundar o seu Imperio no amor e obediencia voluntaria dos subditos, bazes estas em que fundam os virtuosos o seu poder, o Sr. Marinho estava já preparado para o que pudesse acontecer. Elle tinha augmentado a guarnição da Capital com os degredados, e Soldados, que indo para Goa, fez por sua alliciação desertar, e fazendo-a aquartelar na Praça para a ter reunida, e sempre disponivel, deu o commando della ao Major Onofre Lourenço de Andrade, seu homem: tinha armado duas Embarcações, dando o commando d’ humma dellas a hum Hespanhol por nome D. Romeiro, que tendo andado de Piloto em barcos negreiros, tinha vindo para esta engajado pelo mesmo marinho no Brigue, que no Rio de Janeiro comprou; e de outra a hum tal Bonefey francez, que se achava processado e prezo por contrabandista: tinha elevado a postos de Officiaes de Milicias individuos, que o não mereciam (…).
“Por fim no dia 7 do corrente deu fundo no ancoradouro deste Porto, vinda de Goa, a Curveta = Infanta Regente = que trouxe o Decreto da exoneração do ex-Governador Geral, J. P. Marinho. (…)
“Chega o dia, que o tyranno não esperava: hum raio disparado aos seus pés, não o deixaria tão estatico e immovel. No excesso da sua desesperação não sabe o que faça: deseja só a morte, como o unico remedio para os seus males: chama-a; porem em vão.
“Ah! antes ella o ouvisse; que teriam-se poupado tantas desgraças, de que elle foi o causador! Tornando em si do seu estado estupefacto, chama os seus agraciados e cumplices, e lhes faz ver que he tempo d’ elles defenderem a causa commum sua e delles (…).
“Finalmente o Sr. Marinho embarcou hontem a bordo do Brigue — Caçador Africano — para ir para Bombaim, porque assim o pediu ao Governador, que poz o dito Brigue á sua disposição.
“O Publico imparcial e judicioso formará o seu conceito ácerca do caracter e comportamento do dito Sr. Marinho e dos 2 Officiaes do Exercito Onofre, e Campos, com os quaes a Naçao gasta exorbitantes sommas: só digo, que em quanto vierem para cá taes homens, nenhum melhoramento se pode esperar ao Ultramar.” [exerto do texto impresso, datado em Moçambique, a 30 de Maio de 1841].
Com restauros antigos, maioritariamente marginais que não impedem a leitura do documento; a última página, não impressa, foi espelhada de forma a garantir a sua melhor conservação.