ZERO. [Cadernos de Convívio, Crítica e Controvérsia]. [1958. Tip. «Arucitana, Lda». Moura. e G.E.S. Ferreira do Alentejo]. 2 números In-4.º B.
De raríssimo aparecimento no mercado, esta publicação, primeiramente dada à imprensa em Moura e mais tarde em Ferreira do Alentejo, foi separata parcial do jornal «A Planície» e é constituída por apenas dois números, sendo declarado que o segundo teve apenas a limitada tiragem de 500 exemplares.
Sob a égide de Afonso Cautela e praticamente por ele redigida, se não totalmente, esta publicação apresenta um texto inaugural intitulado «Nada a fazer ?» onde Cautela afirma os propósitos da publicação: “— «Nada a fazer» é o que nos dizem os velhos e nós chegámos a crer que sim, que viemos num tempo onde não há tempo para nada e num lugar onde, para nós, não há lugar. Mas o que somos afinal? (…) E se quase criámos um complexo colectivo de impotência e resignação, é porque a melopeia repetida dos instalados, dos ultrapassados, dos dominadores dos pontos estratégicos da cultura — jornais e editoras, cátedras e academias, prémios e revistas — nos quer convencer (e quase conseguiu) de que somos uma geração perdida (…). Nesta hora crítica, sabemos o que há a fazer. Vamos agir, queremos agir, escrever, trabalhar. E se o nosso trabalho é de escritores, não significa que seja de literatos. Os literatos só nos excitam a impaciência com o seu passo de bois felizes. Trazemos a marca dos humilhados e ofendidos. (…).
Segue o número inaugural com uma entrevista de Afonso Cautela ao Director de «A Planície» onde este se insurge “contra a usurpação por literatos do projecto-revista “Convívio”, que seria concretizado à revelia do grupo de jovens que a idealizara anos antes. Referia-se Afonso Cautela à ‘Coordenada’, que viria a lume no Porto, poucos meses depois.
Ribeiro dos Santos a propósito da revista «Coordenada», recorda na ‘História Literária do Porto’ que sob a influência da fraude das eleições de 1958, um grupo de jovens escritores e artistas tomou a “iniciativa de promover uma «plataforma de encontro para realizar um programa de autêntica divulgação cultural, pondo de parte os partidarismos politicos e religiosos. (…) Apresentaram-se como coordenadores desses «Cadernos de Convívio» Agostinho de Castro, Jorge de Araújo, José Augusto Seabra e Carlos Porto. (…) No Porto, embora o seu nome não figure no grupo, a ele estão ligados Fernando Fernandes, fundador, com Carlos Porto, de uma livraria instalada num andar da Praça Filipa de Lencastre, ao mesmo tempo sede do movimento «Convívio», e onde era editada a revista ‘Coordenada’. (…).
Daniel Pires, no ‘Dicionário da Imprensa Periódica’ sublinha o posicionamento de Afonso Cautela perante o movimento neo-realista [A falência do neo-realismo], as críticas aos livros de Alves Redol [A Barca dos sete lemes] e Mário Braga [As ideias e a vida] ou, acerca da crítica ao livro de Vergílio Ferreira [Do mundo original], onde Cautela considera que “A ‘Vértice’ envelheceu. E os seus mais selectos (ou seleccionados) colaboradores parece que também.” Daniel Pires realça ainda uma carta de José Augusto Seabra e outra de Domingos Carvalho que inauguram as polemicas na revista. “O 2.º número, genericamente intitulado «Líricas Maiores e Menores», apresenta uma entrevista dada pelo director ao ‘Jornal de Évora’, sobre o projecto “Convívio” e as coordenadas que regem a ‘Zero’. Criticou com dureza a 1.º número dos ‘Cadernos do Meio-Dia’, uma antologia com o cunho de José Régio e Alberto de Serpa — Alma Minha Gentil — , fustigou Papiniano Carlos e elogiou com restrições o livro surrealista espanhol Manuel Pacheco, ‘Los Caballos del Alba. (…)”.