MARTINS (Francisco de Assis de Oliveira).— A EDADE-MÉDIA NA HISTORIA DA CIVILIZAÇÃO. Polemica entre Antero de Quental, J. P. Oliveira Martins e Dr. Julio de Vilhena. Prefaciado e anotado por… 1925. Parceria Antonio Maria Pereira. Lisboa. In-8º de VIII-193-VII págs. B.
“Em 1872 Oliveira Martins publicou a sua ‘Theoria do Socialismo’, em que, apreciando a influencia da longa idade media na historia geral da civ iu á imprensa a rebater esse juizo. E com imaginação e fundando-se numa concepção physiologica inteiramente inexacta, affirmava que a idade media fôra não uma interrupção de desenvolvimento, mas sim uma daquellas crises organicas, frequentes no mundo dos organismos vivos, como mostrara Laporta. Comparando a evolução solidaria — e essa solidariedade é que é falsa — dos reinos animal e vegetal nos tempos primitivos, Laporta affirmava que o animal permanecera longos millenios estacionario… á espera que o vegetal attingisse a altura correspondente. E applicando a hypothese á historia, Anthero affirmava: «Ora é exactamente uma coisa analoga que eu sustento ter soffrido a sociedade europêa durante o periodo da idade media: o ‘reino’ social e politico, depois de rapido e ininterrupto progresso realisado desde Homero até aos Antoninos, teve de estacionar, esperando que o ‘reino’ moral, atravez das varias especies do Christianismo e da philosophia escholastica, chegasse a um grau de desenvolvimento parallelo ao seu, que lhe tornasse possivel continuar a progredir. A solidariedade entre o progresso social e moral da humanidade, de um lado, e do outro o desigual desenvolvimento destes dois elementos, bem patente no facto singular (que aliás se explica) de ter o mundo antigo produzido o direito romano sem sahir do polytheismo, dão cabalmente, me parece, a razão sufficiente deste ‘desencontro’ de forças, cujo resultado foi a grande crise da idade media» (pág, 18). Respondendo-lhe, Oliveira Martins não lhe ficou atraz em argucia imaginativa, como documenta o seguinte passo do seu artigo: «Eu entendo que moral, social, politicamente, a idade media é um retrocesso, quando referida ao estado anterior do mundo greco-latino; entendo mais que, em vez de contradizer, esse retrocesso confirma a lei da evolução que rege a vida de tudo quanto ha creado. Porque eu creio que, na passagem da antiguidade para as idades modernas, a evolução consiste, não num desenvolvimento de ‘intensidade’, mas sim num desenvolvimento de ‘extensão’. A idade media é, quanto a mim, philosphicamente inferior á antiguidade; mas é-lhe historicamente superior, porque ao passo que nas idades antigas a civilização é um phenomeno local e nacional, nas idades modernas ella adquire o caracter, não direi universal, mas pelo menos europeu. Determina a idade media o facto da entrada no mundo culto de duas ou três raças em graus differentes de civilização; dessa reunião do mundo civilizado ao mundo barbaro resulta um nível medio de civilização, inferior sim, mas mais extenso (pag. 27). No mesmo anno, o sr. Julio de Vilhena, então professor de direito na Universidade de Coimbra, publica o seu livro ‘As Raças Historicas na Peninsula Iberica’ e no capitulo IV criticava os juizos de Anthero de Quental e Oliveira Martins sobre a idade media e concluia, depois dum excurso pelos varios aspectos dessa longa epocha historica: «Tudo isto significa que a idade media, contendo principios das epochas anteriores (o que não podia deixar de acontecer, porque nos cyclos da historia todas as gerações herdam das anteriores o espolio das suas idéas), firmou um progresso real, político e religioso (pag. 46). Seguiram-se mais dois artigos de Oliveira Martins e outros dois de Julio Vilhena, em forma epistolar. Depois a polemica passou para a correspondencia particular.
“É o conjuncto destas peças, um verdadeiro processo historico, que o sr. F. de A. Oliveira Martins, sobrinho do historiador, agora nos dá neste curioso volume, verdadeiro modelo de polemica pela elevação dos conceitos, pelo espirito philosophico e pela urbanidade em que se manteve sempre a discordancia de idéas. A philosophia da historia estava então no auge da sua moda ephemera, e delle é um attestado flagrante esta polemica.” [Fidelino de Figueiredo]. [’in’ REVISTA DE HISTORIA, 1926 [n.º 57 a 60, Ano XV].