ARRAIZ (Duarte Madeira).— METHODO // DE // CONHECER E CURAR // O // MORBO GALLICO. // PRIMEIRA, & SEGUNDA PARTE // ‘PROPOEMSE DIFINITIVAMENTE // a essencia, species, causas, sinaes, prognosticos, & cura do // morbo gallico, & de todos seus affectos. E largamente se // trata do azougue, salsa parrilha, guayacaõ, pao santo, // raiz da China, & de todos os mais reme- // dios desta enfermidade’. //[xilogravura alegórica] // PELO DOUTOR // DUARTE MADEIRA ARRAIZ // PHISICO MOR DO PULSO DELREY // DOM JOAM O IV. // [travessão de composição tipográfica] // EM LISBOA. // ‘Com as licenças necessarias.’ // Por Antonio Craesbeeck de Mello, Impressor de S. A. Anno M.DC.LXXXIII. // ‘E à sua custa impressos, & de Antonio Leite Pereira Mercador de livros.’. In-4.º gr. de XII-236-X-VIII-220-VII-[I] págs. [com erros de paginação]. E.
Obra com interesse para a história da medicina em Portugal, em particular para a história do combate à ‘Sífilis’, ou ‘Morbo Gálico’, temida doença infecciosa sexualmente transmissível, pela primeira vez referida em Portugal no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende e só eficazmente combatida, a partir do século XX com a descoberta da penicilina.
Diz o autor na nota de introdução dedicadas “Ao Leitor”: (…) Esta obra divide em duas partes, na primeyra se trata definitivamente tudo o que pertence ao morbo gallico, declarando a essencia delle, todas suas species, causas finaes, pronosticos, & cura assi geral, como de cada specie, & de todos os remedios, com que se devem curar assi antigos, como modernos, & algũs novamente inventados, de que se não tem atègora escrito. E assi mais faço muytas, & muy necesserias [sic] advertencias, que na administraçaõ do azougue, & dos outros medicamentos se devem guardar, & dos affectos particulares, q com o morbo gallico se complicão, ou delle nace, muytos dos quaes não tratàraõ sufficientemente os Authores, ou totalmēte os naõ tocàraõ, como serà patē te aos que na liçaõ delles andaõ versados. E tudo isto sem embaraço de questoēs, nem argumentos, que possaõ retardar aos Leitores, que não saõ Letrados; tratando em tudo de ser esta doutrina clara, & distincta, evitando o mais que pude á prolixidade.
“E Porque pelo methodo definitivo se não pòde sufficientemente dar satisfaçaõ a todas as duvidas, fiz a segunda parte: na qual scholasticamente disputo todas as que póde haver sobre o que tenho averiguado na primeyra, propondoas por questoēs, & argumentos por huma, & outra, & resolvendoas por conclusoēs: porq deste modo fica a doutrina clarissima, & se esgota a duvida toda. E posto que a segunda parte serve mais para os Letrados, com tudo tambem della se podem aproveitar os coriosos, & pessoas de bom juizo, que a entenderaõ bastantemente, excepto algũs pontos metaphysicos, & se faraõ mais destros nesta materia: alem de que tambem nella se trata do uso de algũs medicamentos de que nesta primeyra se não falla como os banhos das caldas, & da agoa doce cuja noticia a todos he necessaria.
“E ainda que desta materia escrevéraõ muytos, & muy graves Authores, cõ tudo, como este mal era novo, & de que os antigos não deixàraõ rascunho a que se pudessem acostar houve grande variedade de opinioēs entre elles, como notou Mercurial, naõ havendo quem acabasse de declarar todas as duvidas, assi do speculativo como do practico, nem quem tratasse todos os affectos, & todas as advertencias á cura necessaria, como claramente se póde ver das muytas cousas novas, que ha no discurso destas duas partes, que naõ acharàõ escritas em outro Author. (…).”
Da autoria de Amélia Ricon-Ferraz transcrevemos parcialmente um artigo publicado nos «Cadernos de Cultura» de Castelo Branco [n.º 3, Junho de 1991] intitulado «Dois homens, dois tempos — Um Objectivo Comum»: “Em Portugal, este século não se afirmou nas Ciências em geral, e na Medicina, com factos de monta como o século precedente. A Cirurgia, nas figuras de António da Cruz e António Ferreira, pela originalidade e saber da sua prática e das suas obras, conquistou uma posição de destaque. Contudo, a Anatomia, a Fisiologia e a Patologia perseveravam nos erros galénicos. É exclusivamente no fim do século que uma receptividade às modernas doutrinas iatrofísicas e iatroquímicas se fez sentir. O atraso científico obtido, teve por base uma multiplicidade de factores: a instauração da Inquisição, as condições do exercício médico, os abusos da fisicatura-mor do reino, o domínio espanhol e a influência dos jesuítas. Contudo, trabalhos de valor se geraram visando preservar a saúde, tendo em atenção as exigências momentâneas. O contacto do Velho com o Novo Mundo despoletara a eclosão de quadros mórbidos nunca vistos, com ponto de partida no outro lado de Oceano, ou a exacerbação da enfermidade não nova, mas esquecida no tempo, fosse pela atenuação da sua sintomatologia, fosse pela diversidade da sua apresentação. O “Tratado único das bexigas e sarampo” de Simão Pinheiro Mourão e o “Methodo de conhecer e curar o morbo gallico” de Duarte Madeira Arraes são testemunho do facto apresentado. (…).
“Para Madeira Arraes foram as inúmeras dúvidas teóricas e práticas relativas ao diagnóstico e cura do Morbo Gallico, os agentes determinantes da estruturação da mesma. É nas notas introdutórias dedicadas ao Leitor que Madeira justifica a linguagem escolhida: “E porque muytos destes affectos são pertencentes à Cyrurgía, e por esta causa anda esta enfermidade mais em mãos de Cyrurgiões, muitos dos quais não são latinos e cõ o não serem tem muyta lição de livros Chyrurgicos em língua vulgar, e muyto bom entendimento, juízo, e destreza nas cousas da arte, me pareceo necessário fazer esta obra em linguagem, para que fosse de utilidade a todos. Além de que ha muytos lugares onde não ha médicos, nem cyrurgióes, especialmente nas partes transmaritimas, e por esta causa he forçado intrometerem-se outras pessoas a curar, ou cada hum tratar do seu achaque, a este respeito (calando outras comodidades) he de maior fructo à Republica escrever este livro na língua natural”.
Barbosa Machado diz na «Biblioteca Lusitana», que o autor: “Natural da Villa de Moimenta situada quatro legoas ao Nacente da Cidade de Lamego na Provincia da Beyra. Instruido com as letras humanas, e Poesia estudou na Universidade de Coimbra as faculdades de Filosofia, e Medicina, nas quaes recebeo os gráos de Mestre, e Licenciado com universal acclamaçaõ do seu engenho alcançando mayor applauso quando sendo Physico mór da Magestade delRey D. Joaõ IV. naõ havia infermidade, que naõ cedesse à efficacia dos seus medicamentos, triumfando dos achaques mais inveterados por methodo novo, e unicamente praticado pela sua profunda especulaçaõ. (…). Naõ somente foy insigne Medico, mas peritissimo Cirurgiaõ executando com fortuna, e agilidade as mais violentas opperaçoens desta arte. (…)”.
Encadernação inteira de carneira, da época, com defeitos na lombada. Com um pequeno corte de traça que atinge longitudinalmente parte do volume.
Com anotações manuscritas nas folhas de guarda, onde ficou o seguinte registo de propriedade “da Botica da Santa Caza da Misericordia”. No verso do frontispício “Botica da Misericordia de Vianna do Minho”.