[S. LUÍS (D. Frei Francisco de) [Cardeal Saraiva].- 17 CARTAS AUTÓGRAFAS DIRIGIDAS A D. FRANCISCO DE ALMEIDA, CONDE DE LAVRADIO, datadas entre 2 de Dezembro de 1836 e 1 de Agosto de 1844 e duas não datadas.
Valioso conjunto de interessantíssimas e extensas cartas manuscritas e assinadas pelo célebre e erudito Cardeal Saraiva, Bispo-Conde de Coimbra, Reitor da Universidade de Coimbra e Patriarca de Lisboa desde 1843. Natural de Ponte de Lima e de ideais liberais, tornou-se maçon adoptando o pseudónimo ‘Condorcet’. Integrou a associação secreta portuense ‘Sinédrio’, criada no Porto em 1818. Após a revolução liberal do Porto, a 24 de Agosto de 1820, foi membro da Junta Provisional do Supremo Governo do Reino. A convite de Pedro de Sousa Holstein (Marquês de Palmela), foi Ministro do Reino entre 1834 e 1835.
De seguida apresentamos parcialmente o conteúdo das cartas:
— CARTA de 2-12-1836: "Tive ontem grande sentimento, quando soube que V. Exª me tinha feito a honra de vir aqui, sem eu ter a de lhe falar. Agastei-me com os meus criados, e quasi que os fiquei tendo por mais tolos e basbaques que seu amo. Eu tinha dado ordem geral de não falar, como tenho feito desde o infaustissimo dia 5 de Novembro; e não tinha, he verdade, nomeado a V. Exª nas excepções, por não presumir a visita de V. Exª; mas eu queria que elles tivessem a discrição de suppôr a minha vontade (…); Em fim se algum dia tornar a offerecer-se semelhante occasião, rompa V. Exª a guarda, e entre por esta caza dentro, que decerto me não achará nem com mulheres, nem com conspiradores. (…) Aproveito esta occasião de mandar a V. Exª a nota-zinha, que ha muito tempo tenho preparada para lhe levar [Nota que está junta à carta e que consta de um caderno de 6 páginas com uma exaustiva descrição do livro «Consolaçam ás tribulações de Israel», de Samuel Usque, na sua edição de 1553]. Já depois desta minha ultima voluntaria reclusão tenho tido tentações de hir ver a V. Exª; mas lembro-me logo que poderá estar lá para Cintra, e eu perder a viagem e (o que he mais sério) o aluguer da sege";
— CARTA de 8-2-1837: "Agora he forçoso que eu escreva, para dizer a V. Exª, que deixe estar na sua mão os meus rabiscos historicos quanto tempo quizer e lhe agradar; (…) Leia-os V. Exª, e torne-os a ler muito de seu vagar, se para tanto tiver ocio, e lhe sobejar paciencia, e faça-me o que eu lhe pedi, que he de notar o que lhe não parecer bem, confiando que a minha docilidade, e amor da verdade não desmerece esta honrosa condescendencia. (…) Ambos os documentos me derão alguma novidade que eu ignorava. Assim havião de apparecer nas Cazas illustres e antigas muitas curiosidades historicas, se houvesse quem sacudisse o pó dos Cartorios, como vejo que V. Exª vai fazendo ao seu. Agradeço muito a V. Exª o trabalho que quer ter de mandar o Glossario aos nossos amigos. Eu não sei se elle val a pena da remessa, e da leitura; mas quem he pobre não pode dar muito, e quem dá o que pode não he mais obrigado. Entretanto, ou elle valha ou não, convenho (…) e estou certo, que não he em Portugal que elle ha de ser bem ou mal avaliado; porque os nossos tarelos afrancesados nada achão bom se não o que nos vem de fóra, e isso mesmo mal escolhido, mal applicado, e mal alinhavado; não fazem apreço algum da bella lingua portugueza; não a sabem nem a querem saber, e cada dia lhe augmentão os remendos e a põem como capa de pedinte, segundo a frase de hum nosso escriptor. (…) mando a V. Exª esse livro, que he copia de hum Ms. que offereci á Academia, e de que ella me deo alguns exemplares na forma do seu costume. Contêm a Histor. de Ceilão escrita por hum soldado, bom Portuguez, que não deixou de lembrar-se (a pag. 8) do illustre e valeroso D. Lourenço de Almeida, que V. Exª conhece. Este só nome bastava para fazer a Obra apreciavel";
— CARTA de 29-3-1838, provavelmente não dirigida ao Conde de Lavradio: "Li com infinito gosto o excellente Poemazinho, de que V. Sª me fez precioso mimo. He V. Sª hum dos primeiros (que eu saiba), ou acaso o primeiro, que emprega as graças da poesia e da litteratura na nobre empreza de aviventar nos corações portuguezes o sentimento religioso, cuja quasi total extinção os tem levado a tantos desvarios", dizendo depois que há nesta obra "ainda mais que poesia: ha a divina arte de fazer dos troncos homens, e das pedras filhos de Deos";
— CARTA de 10-7-1843: "O meu primeiro interesse he a saude de V. Exª, e fico consolado e contente de saber que a mudança de sitio não só lhe não fez abalo nocivo, mas até lhe tem continuado o beneficio da desejada melhora. (…) Permitta-me V. Exª que lhe dê conselhos. Não escreva por sua mão nem huma letra, porque o exercicio da escripta põe em movimento os musculos do peito, e o enfraquecem. Tambem me parece que V. Exª não deve ler nem pouco nem muito, ou a leitura seja de objectos serios, ou graciosos. (…) No dia 7 ás 11 horas da noite chegou aqui o cavalheiro Adriano Borgia portador do Decreto da minha promoção, do Barretinho [palavra sublinhada], e de muitas Cartas do Secretario de Estado da S.S., dos Cardeaes, do nosso Ministro Migueis &c. Falta ainda a imposição solemne do Barrete, que se fará no Paço, segundo he estilo, e que a Rainha quer (me dizem) se faça com algum apparato e esplendor. Antes desta ceremonia estou condemnado a encerramento, e nelle me conservo. Tive visitas de cumprimento dos Ministros Estrangeiros, e devo escrever aos Soberanos Catholicos participando-lhes a minha elevação á Dignidade Cardinalicia &c &c. E eis o que por ora posso dizer a V. Exª a este respeito, ommitindo particularidades que nada importão, e que augmentarião a V. Exª o incommodo de ouvir a leitura desta carta. Vierão confirmados os Bispos do Porto e de Macau, e o Arcebispo de Gôa. Está-se procedendo á habilitação do do Algarve: e ahi vem a Lisboa o eleito para o Funchal, Lente da Universidade, que não conheço, Fulano Cerveira. (…) Capaccini pedio-me o meu parecer confidencial sobre a organização da Cathedral, e já mandou para Roma o meu tal ou qual plano, que parece não lhe ter desagradado. Eu dei copia ao nosso Ministro dos Neg. Ecclesiasticos, e parece que tambem o não desapprovou, pois sei que mandou para Roma ao Migueis huma Memoria Instructiva sobre o objecto, toda conforme com o meu parecer. Talvez que isto desse occasião a se falar em Concordata. O meu parecer he todo benefico, fundado em duas bases principaes 1ª restituir, quanto he possivel, direitos offendidos. 2ª conservar, quanto he possivel, direitos adquiridos. Assim mesmo não sei se agradará a todos";
— CARTA de 3-8-1843: "Andei alguns dias a querer escrever a V. Exª sem me ser possivel fazelo, pela lida que tenho tido, continua e quasi insuportavel. (…) Bom he que V. Exª va continuando com a maior regularidade em tudo; mas não me parece que com ella se compadeça muito o escrever V. Exª huma carta grande, e com algum esforço, o mandar comprar compendios de Historia Portugueza, o ralhar das nossas intrigas, e do pouco que fazemos para adiantamento das Sciencias e Letras, o importar-lhe a sorte de Espartero, e as nossas Diplomacias &c &c. (…) Nós cá temos mais em que cuidar e comtudo Portugal não he pobre em inscripçoes Romanas, e muitas andão dispersas por differentes obras impressas e mss. O ponto era collegilas com critica, e mandar examinar os originaes, aonde os houvesses (como ha) conservados em differentes terras do Reino. A fatal falta de meios ha de fazer que fiquemos nisto como temos ficado em outras semelhantes emprezas. Mas isto não he ralhar, he reflectir. O Compendio de Hist. de Portugal do Tiburcio Craveiro tem muitos erros, como V. Exª terá visto. Eu vi ha muito tempo hum exemplar que me communicou o Varnhagen, e agora ha tempos tenho outro que me offereceo o autor aqui para nós, não vale o dinheiro, e não me desagradaria o plano, se o autor o desempenhasse. (…) O outro compendio do Midosi não o vi, nem tive tentação de o comprar. Pode ser que seja bom, postoque eu acho sempre difficultoso fazer bons compendios. Lá vai Espartero, naõ sei para onde. Os dias passados correo aqui que elle estava no Tejo em hum navio inglez. Depois disserão que era a mulher delle. Creio que nem hum nem outro. Do nosso Proto-Diplomatico não quero ralhar, aindaque V. Exª me queira tentar a isso. Veremos o que elle faz, se a alguma coisa foi mandado. A occasião me parece oportunissima; por que assim como os Inglezes nos ameaçavão com o Tratado da Hespanha, assim nós agora os podemos, não ameaçar, que não somos capazes disso, mas trazer a mais benignos procedimentos, visto terem decahido da esperança que fundavão em Espartero. A habilitação de Mouriz para o Algarve creio que já foi para Roma. A do Loureiro ainda se não fez: presumo que querem extinguir Beja, e estarão a considerar para onde hão de transferir Loureiro, que em todo o caso ha de ser Bispo. Fala-se em extinções e uniões. Beja extincto. Portalegre e Elvas unidos. Castelllobranco e Guarda unidos — Pinhel extincto — e não sei que mais. Isto he o que ouço ao vulgo. Tambem ouço que na ausencia do Sr. Palmella ficará sendo negociador nos negocios Ecclesiasticos o Bispo de Leiria. A Capella da Luz, mandada edificar pela Infanta D. Maria foi supprimida em 1836, como dependencia ou accessorio dos extinctos Conventos da Ordem de Christo. Depois foi dada á Irmandade do S.mo de huma Parochia visinha (não me lembra qual) a quem tambem se derão paramentos, e cousas semelhantes, obrigando-se a Irmandade a manter o culto da Senhora. Já se sabe que manter o culto, ha de ser aproveitar-se do que a capella tinha, e deixar cahir por terra as paredes! — A Infanta quando mandou edificar a capella recommendou ao architecto que a delineasse de maneira que fosse notavel entre os bons edificios semelhantes. A Infanta era uma Senhora de grandissima instrucção, e de alma verdadeiramente Real, e he curioso saber o que se passou a respeito dos seus intentados cazamentos, e da sua sahida de Portugal &c. (…) A Infantinha foi baptisada em particular, e esperão-se as Procurações do Imperador e Imperatriz da Austria que são os padrinhos";
— CARTA de 2-10-1843: "Parece incrivel o que estou experimentando todos os dias. Recebi com alvoroço a ultima carta de V. Exª de 26 de Setembro, com as noticias que ha muitos dias me faltavão, e eu desejava: quiz responder logo a V. Exª, comecei duas vezes a resposta, mas não me foi possivel ultimala. Nasci para martyr, he forçoso cumprir o meu fado (…) Cada vez me convenço mais de que toda a Europa está sofrendo uma ardentissima febre, que certamente se não pode remediar com as medicinas ordinarias, e ainda menos com as extraordinarias e violentas. A natureza, isto he, o decurso do tempo, a tendencia para o estado de saude (de ordem) hão de trazer a melhoria do doente: não queiramos apressar os passos prudentes, que a natureza segue em todas as suas obras. A este respeito não digo mais nada, e peço a V. Exª que me leve a bem o que tenho dito. Eu fui finalmente ver Cintra, porque ElRei quando para lá foi nos principios do verão me disse positivamente que fosse fazer-lhe uma visita. Isto, postoque dito em ar de graça, pareceo-me que exigia de mim o esforço que fiz, maiormente por que elle tinha acrescentado "e vá para a nossa casa" — Em fim fui, e não obstante o mau tempo que houve n’aquelles dias, confesso que gostei muito das duas cousas que pude ver, o palacio, e a Penna. O palacio he grande, e conserva ainda algumas cousas antigas, e muitas recordações historicas importantes. A Penna offerece muitas cousas curiosas, bom desempenho da arte de canteiro, o que gosto do antigo, &c. A entrada pela montanha admirou-me: eu fui de carruagem a quatro até o alto sem difficuldade, e sem o mais leve receio de perigo. Na igreja vi o celebre retabolo de alabastro, huma inscripção de que não tinha noticia, e hum quadro, parte do retabolo, que representa a Cêa do Senhor, exactamente conforme ao famoso quadro de Devinci, que anda em estampa a boril &c. O pouco tempo que tive em Cintra, e o mau tempo d’aquelles dias não me permittio ver mais cousa alguma; mas fiquei muito inclinado a lá voltar, em occasião mais opportuna, e em que lá não esteja a Côrte, para então ver o gozar á minha vontade, e hir adorar os vestigios do grande D. João de Castro, que he um dos meus poucos heroes antigos… O peor he que não querendo eu incommodar a V. Exª com huma grande carta, esta vai já crescendo em demasia, e ainda me falta muito a satisfazer. Agradeço a V. Exª a remessa do Jornal dos Debates, aonde li logo ávidamente o grande discurso do Cardeal Pacca. Este Cardeal, não sei porque, he pouco amigo de Portugal e dos Portuguezes, e V. Exª será sem duvida noticia de hum pequeno volume que elle escreveo, e intitulou "Notizie sur Portugallo e sulla Nunziatura in Lisbona del cardinal Bartholomeu Pacca" no qual fala do perverso insegnamento di Coimbria, do famoso Ministro Sebastiano Carvaglio que mereceo dos filosofos irreligiosos o nome de grande ministro, mas dos bons o di vile stromento delle secte (?) dalla chiesa; que corrompeo e perverteo o ensino publico nas escolas e na Universidade &c. &c. Quando pois li o discurso, que elle leo na Academia da Religião Catholica de Roma, esperava ainda mais do que achei. Elle se limita a ter compaixão de nós e dos Hespanhoes; faz grandes elogios á França de quem espera restituet omnia; não tem compaixão dos Inglezes por que não necessitão della á vista das Igrejas e Cathedraes Catholicas que lá se vão fundando &c.; incensa tambem a Belgica &c. em fim faz huma revista curiosa da Europa Catholica, e ainda se mostra dorido das doutrinas jansenisticas dos Dupin, Fabronio, Pereira, e outros inimigos de Roma e do Catholicismo. Do grande mundo sabe V. Exª o que ha, porque o lê nos papeis publicos: hum dia destes atirei ao chão com horror hum em que li que em Napoles se usa agora o divertimento de queimar mulheres lançando-lhe fogo aos vestidos, nas ruas — em Hespanha estão pedindo Espartero com todas as suas virtudes — em Italia ha levantamentos nas Legações, e não sei se em Roma mesmo — em França descobrem-se novas conspirações — na Suissa vai-se preparando a guerra civil — em Inglaterra (paiz classico da Liberdade), está o [Conuel?] a firmar a liberdade dos Irlandezes, os [Ribecaitas?] querem a divisão das terras, e os Escocezes partem entre si os dogmas, e a disciplina da religião. Bello mundo he este! Cá não ha apparentemente nada que eu saiba — tem-se publicado cartas de Ribeiro Saraiva a diversos e diversas, algumas com outras incluzas do Infante D. Miguel, e não sei se todas aprehendidas, se denunciadas, se inventadas. Tem-se falado em movimentos revolucionarios proximos &c. Não sei se nisto ha alguma realidade, ou se são boatos espalhados de proposito, para aterrar e amedrontar huns, para enganar outros, para nutrir esperanças e temores, ou enfim para manter o (?) publico das virtuosas massas. No exterior vai tudo como d’antes. SS. Magg. vão ver o Alemtejo. Diz-se que sahem d’aqui a 5 pelas Vendas novas, Montemór, Evora, Beja, Estremôz, Villaviçosa &c. (…) He agora o assumpto das conversações, das reflexões, e dos louvores e censuras publicas dos differentes partidos politicos. Eu não vejo nisto cousa que mereça nem huma cousa nem outra, parecendo-me com tudo, que he sempre bom que os Principes vejão os povos, e que os povos os vejão a elles. (…) O Bispo de Leiria está no seu Bispado, creio que medindo as 36 freguezias que quer desmembrar do Patriarchado para augmentar o seu territorio por esta banda, pedindo mais algumas, ou todas as de Thomar e algumas do Bispado de Coimbra. V. Exª diz-me que teria muito que perguntar mas que eu talvez não queira, ou não possa, ou não deva responder. Pergunte V. Exª o que quizer, por que eu responderei francamente o que souber, com tanta mais facilidade quanto he certo que quasi nada sei officialmente, nem por modo que me obrigue o segredo";
— CARTA de 25-10-1843: "Diz V. Exª que se achou enganado, por que não tinha supposto nos homens tanta corrupção. E eu digo que toda quanta V. Exª supponha ou suppuzer para o futuro, nunca igualará a profundeza do abysmo a que os homens tem chegado nestes nossos tempos. E creia V. Exª a hum homem de 77 annos, a quem a experiencia e a observação tem feito precatado. Já li as Instrucções do Marquez de Pombal com as Notas de Lagrange, e fiz exactamente o mesmo conceito que V. Exª faz. Achei muitas cousas excellentes nas Instrucções, e muitas reflexões e factos (intui?) nas Notas; e nestas hum estilo sufficientemente serio e grave, que me agradou. Mas tambem notei n’umas e n’outras, e principalmente nas primeiras, o que diz respeito aos nossos antigos e leaes alliados os Inglezes, e hum certo empenho em os fazer suspeitos. Pareceo-me que o artigo, em que o Marquês de Pombal os pinta com côres tão naturaes, poderia supprimir-se por evitar vinganças, tão proprias da sua cobiça e prepotencia: ficando nós porém certos, de que elles não necessitão de estimulos novos para nos desejarem inteiramente aniquilados na Asia, e na Africa, e para trabalharem nisto por todos os modos e meios, que inspira a mais velhaca e ambiciosa politica. Que havia eu de dizer a V. Exª a respeito do nosso dignissimo Presidente? eu, que ainda não vi a que elle foi na Inglaterra, e ainda menos sei o que lá tem feito, ou fará. V. Exª diz-me que tem noticia de que elle se esperava brevemente em Lisboa, e a mim disse-me ontem o Senhor Silvestre Pinheiro, que elle mandava hir a familia, e que isto parecia suppôr demora prolongada, e não sei se mais alguma cousa. De Tratado nada sei, e nada tenho ouvido dizer. Creio com fé implicita, que se o (…) Palmella o ajustar, será da maneira mais honrosa e mais util a Portugal, como tem feito em todas as negociações, em que tem tomado parte. Mas como V. Exª reserva este assumpto para as noites de inverno, então falaremos, que he melhor e mais saboroso, do que por cartas. Tambem cá me veio hum grande maço de projectos de Leis do Sr. Silvestre Pinheiro, que tem o mesmo defeito, que se observa em todas as Obras politicas por elle publicadas — o não ser exequivel — o não ser applicavel aos homens de hoje — o não poder de modo algum aproveitar ao nosso estado para o melhorar — &c. [Silvestre Pinheiro] Falou-me largamente n’um ponto favorito, sobre o qual já elle escreveo hum artigo não sei em que jornal. Era sobre a policia preventiva, que elle totalmente reprova e iniqua. (…) Eu entendo v.g. que as Leis são providencias preventivas — que a existencia dos corpos militares he tambem preventiva — que quando se mandão patrulhas ou rondas pela cidade, se põe em pratica huma medida preventiva — que quando se estabelecem postos de bombas para o caso de incendios, se pretende prevenir o effeito delles &c. &c, &c. Como, então, se podem reprovar in globo todas as providencias preventivas, e toda a policia preventiva? Ficará tambem para as noites de inverno este assumpto, assim como a theoria da resistencia legal, que veio delle em outro artigo de jornal, e que eu (cofesso sinceramente) não entendi, o que não admira. E ficará ainda outro, cujo objecto agora me não lembra, e que ha poucos dias veio na Restauração, muito notavel. Que mal fez a V. Exª o Deão de Evora? O bom homem quiz aplaudir-se de pertencer a huma corporação, em que tinhão figurado alguns senhores da Caza de Bragança. E quer V. Exª roubar-lhe esta gloria? Quer tambem roubar-lhe a outra gloria de ter empregado as expressões do estilo mellifluo, e adocicado falando a huma Senhora? Não seja V. Exª tão severo, nem o seja tambem comigo, reprovando este apontoado de impertinencias, com que eu lhe tenho fatigado a paciencia";
— CARTA de 31-12-1843: Agradece a oferta do livro da "Instrucção Pratica sobre as maquinas movidas a vapor" de Fernando Luís Marinho de Albuquerque; "pareceo-me achar estilo portuguez corrente, desimpeçado, e claro, exacta deducção, e largo conhecimento da materia. (…) São os talentos, e virtudes litterarias do Pai, que se vão trasladando no Filho (…)"; Fala dos discursos de Olozaga e Pidal "relativos á desagradavel questão, que nas Camaras hespanholas se tem tratado (…) mas confesso ingenuamente que me agradou mais o discurso de Pidal, e que me pareceo observar nelle o caracter da verdade, e de franqueza, que não observei no outro. (…) Mas tenho por indubitavel que Olozaga não he de todo innocente no que lhe imputão, e julgo que alguns dos seus principios não são verdadeiros, e podião muito bem dar occasião a que elle praticasse com a Rainha alguma cousa do que se lhe attribue. Seja o que fôr: a Hespanha está n’uma situação tão perigosa, quanto embaraçada, perturbada, e confusa, e receio que tenhamos de ver ali as mais tristes scenas, que Deos aparte. (…) Fiz hoje huma visita ao Sr. Duque de Palmella, e elle me mostrou o Decreto, que faz o Ministro do Reino Conselheiro de Estado. O Duque pareceo-me estar são, e contente; mas não falamos em negocios quasi nada. (…) Tambem eu fiquei sentido de que V. Exª viesse aqui encontrar as duas pessoas de que me diz que não tem confiança, porque certo era que nada podiamos falar senão de generalidades, e cousas indifferentes. Se V. Exª offende ou não a caridade, fazendo mau conceito do proximo, não me atreveria eu a decidir, por que enfim o bom ou mau conceito nem sempre está na nossa mão fazelo ou emendalo. O que eu poderia só fazer era absolver a V. Exª de qualquer pecadilho que nisto houvesses; mas V. Exª até a isto põe obstaculo, confessando que não tem proposito da emenda! Isto he resistir á graça abertamente, o que em frase ecclesiastica se chama obstinação, e impertinencia. Lá se avenha V. Exª com isto como poder"
— CARTA de 7-1-1844: "(…) Já que falo em Universidade: dous estudantes de Coimbra insultárão gravemente hum Professor, dando-lhe até bofetadas, quasi de dia! e estes estudantes são filhos do Visconde da Costa, e por consequencia irmãos da mulher de hum dos netos do Sr. Terena. V. Exª verá no Diário, que o Sr. Terena os mandou riscar da Universidade, e muito julgo que obrou muito bem (…); Assim está o mundo! e não ha quem escape ás suas travessuras! Lá vi no Diario a honra, que me fez a Camara, nomeando-me novamente para a Commissão. Eu tinha tenção de hir hoje assistir á Sessão; mas logo de manhãa me veio huma carta do Ex.mo Ministro da Justiça (…) apressando-me sobre o negocio da cathedral, e assegurando-me que tem fé implicita em tudo o que eu faço! Bendito seja Deos! que já acho hum amigo!";
— CARTA de 20-2-1844: "Amanhãa há sessão nas duas Camaras, e como a rebellião continua, propõe-se a prorogação da suspensão das garantias, não sei por quantos dias mais", discorre sobre a origem da palavras discrição e arbítrio; "Estou promptissimo a dar a V. Exª todas as informações, que souber dar-lhe, a respeito do nosso Hollanda, que não poderão passar muito das que V. Exª já ouvio ler; e de que posso dar-lhe copia. Se V. Exª mandar copiar o ms. que ha em Hespanha, deve encommendar esse trabalho a pessoa muito capaz; porque de outro modo se expõe a perder oleum et operam. He melhor gastar dés em trabalho bem executado, e aproveitado do que gastar hum só, e perdêlo sem fructo";
— CARTA de 10-5-1844: "Agradeço e muito, o Extracto da curiosissama Carta do S.or Principal Almeida, que em poucas palavras mostra qual era o seu espirito, e a sua instrucção, e quam digno era do Cargo Litterario que exercitou. A existencia da Inquisição, com todo o seu terrivel apparato, em tempos tão proximos aos nossos, faz na verdade admirar, como V. Exª judiciosamente reflecte, e mostra o que he o homem, maiormente quando he dominado do fanatismo religioso: mas a devoção, que ElRei D. João 5º tinha de assistir á queima, não tem nome que se lhe possa dar, e só pode ser excedida pela do Rei de Castella S. Fernando, que se gloriava de trazer ás suas Reaes costas os feixes de lenha, para as fogueiras da Inquisição. A lenda deste Santo Rei, no Breviario, traz este facto como demonstrativo do seu zelo e piedade!";
— CARTA de 19-5-1844: Trata questões de instrução em França, dizendo depois: "O pequeno discurso que o Arcebispo de Paris dirigio ao Rei no dia dos seus annos, pareceo-me imprudente em alto gráo, ou se attenda ao espirito que parece havelo dictado, ou á occasião que se escolheo para o recitar. O Rei mostrous-se picado de se lhe fazer huma advertencia tão inoportuna, e vê-se pela sua resposta, que suffocou em si os effeitos da indignação, que devia causar-lhe a inconsiderada fala do Prelado. O texto de S. Bernardo era bem desnecessario para provar que nem o Estado sofre incommodo algum das justas liberdades da Igreja, nem a Igreja das justas prerogativas do Estado e do Governo. (…) O Clero Francez parece esquecer-se do estado em que esteve por tantos annos, e quer indemnizar-se superabundantemente do que então perdeo. Quasi nenhum discurso se lê sobre o assumpto, em que não venhão os Jesuitas! Notavel fado desta Sociedade, sempre inquieta, sempre ambiciosa, e sempre orgulhosa! e notavel cegueira d’aquelles que, lendo a historia, lhe não conhecem, ou lhe querem attribuir estas qualidade! Hoje mandei a V. Exª a minha tardia e mesquinha Pastoralzinha, começada ha muito tempo, interrompida muitas vezes, e finalmente terminada, bem ou mal, para satisfazer aos desejos devotissimos e religiosissimos de muita gente, que em quanto não tem jornaes, querem entreter-se com cousas pias e santas";
— CARTA de 15-6-1844: "As cartas de ElRei D. Affonso 5º, a pezar do mau estado de huma dellas, forão logo copiadas, e não sei se adivinhadas; (…) Entretenho-me em artigos que não pertencem á questão da Instrucção, nem á das Cazas Penitenciarias: em todos acho cousas boas e curiosas. (…) Tornando ás cartas de D. Affonso 5º: a maior, que tem data de 27 de Outubro sem designação do anno, parece-me indubitavelmente autographa, e escripta toda do proprio punho de ElRei. Parece referir-se a circunstancias especiaes, em que elle necessita de conselho, e pede-o ao illustre Chanceller, tratando-o com benignidade, e quasi familiaridade que costumava, e ate lisongeando-o com bom conceito, que mostra ter da sua discrição, saber, e fidelidade. Não posso adivinhar por que occasião seria escripta esta carta, só se fosse quando ElRei entrou na empreza de cazar com a sobrinha e de fazer-se Rei de Castella. (…) Hoje li no nosso Diario hum artigo em que se annunciava que a Srª Duqueza de Palmella dera, e dá com frequencia, hum jantar economico a 943 pobres no pateo das Trinas de Campolide!";
— CARTA de 7-6-1844: "Agradeço muito especialmente a V. Exª a estampa do P. Antonio Pereira, que guardarei em segredo. O nariz he respeitavel! nunca o Papa lho pôde endireitar. De Garcia d’Orta nunca vi retrato algun, e será bom que se execute a lembrança de o tirar á luz, pois bem o merece. Os Medicos creio que cedêrão do empenho de reimprimir a obra deste benemerito Portuguez, porque não ouvi mais falar nisso. O abbade Castro he hum homem dos meus peccados! lá recebi a ultima obra que elle alinhavou sobre Francisco de Olanda, e a achei digna das outras que elle tem publicado. (…) A este respeito o que mais me espanta, e tambem me desconsola, he ouvir a algumas pessoas gabar os merecimentos, e trabalhos litterarios e artisticos do Abbade Castro, como ainda ha poucos dias ouvi a hum de quem eu não esperava! Os tempos estão para isto, e não ha de que esperar senão isto!";
— CARTA de 1-8-1844: "Eu tenho passado na forma do meu costume, menos mal do que podia esperar, e sempre prezo á banca, como a hum pezado cepo de que não posso, ou não sei libertar-me. Ontem conclui a sentença em execução da Bulla da Cathedral, e a enviei ao Governo para subir ao conhecimento e approvação de Sua Magestade. (…) Aqui me trouxerão huma alfaia achada dentro de huma sepultura antiquissima dentro do castello de Cintra, a qual consta de duas placas de metal dourado, e em cada huma hum nome, ou palavra, escripta em letras allemães chamadas monacaes ou (como vulgarmente se diz) gothicas. Trouxerão-me, digo, o desenho destas peças, cujo uso, ou emprego não tenho podido adivinhar. Fóra da sepultura, e na pedra da campa lê-se hum brevissimo letreiro arabe, que segundo a interpretação do P. Castro parece dizer "A gloria (ou o poder) seja dada a nosso Amo Abu-Abdalah". Eu creio que esta pedra não he contemporanea daquellas peças, mas mais antiga, e trazida para ali para cobrir a sepultura. Não sei de mais achado algum, mas he de crer, que com diligencia, e trabalho se descubrão mais antigalhas semelhantes n’aquelles sitios que parece terem sido do particular agrado dos Mouros e Arabes que por muito tempo habitarão estas nossas terras, e provavelmente terião merecido tambem a attenção dos Romanos e dos Povos do Norte que depois delles senhorearão a Lusitania. Muito bom seria que V. Exª voltasse para esse objecto das excavações huma parte da sua attenção; porque he esta huma materia quasi virgem no nosso territorio, e hoje tão cultivada nas naçoes civilisadas. Por occasião deste assumpto toca V. Exª o outro mais importante da immoralidade dos povos desses sitios, e lamenta que elles não tenhão quem lhes ensine os primeiros principios da religião, e da moral. (…) Melhores Pastores, diz V. Exª, mas aonde estão elles? e se algum ha ainda, quererá elle sahir ou da babuge de Lisboa, ou do ninho da sua caza, para hir para terras ou aldeas desconhecidas, luctar com gente barbara, e depender della para obter meios de sustentar a vida? Tenho, nos Destrictos Ecclesiasticos de Santarem, Obidos, e Setubal, Igrejas encommendadas a Parochos visinhos por não haver quem as queira hir curar. Se quero obrigar algum, na forma da Lei Diocesana, allegão que não vão, nem podem ser obrigados a hir morrer de fome. Todos querem Lisboa, e mais nada; porque aqui achão capellanias, Oratorios, Enterros, officios, em que fazem dinheiro, e achão outras cousas em que talvez o gastão, e nada disto achão nos lugares ruraes. O pobre Bispo ou ha de excommungar, e suspender o mundo inteiro, ou ha de ver e chorar o mal sem lhe poder dar remedio (…) Hum dos graves erros que ha nesta materia, (…) he a mania de querer restaurar a disciplina ecclesiastica dos primeiros seculos da Igreja em tempos totalmente differentes. (…) Direi sómente como diz o povo da minha terra "Vejo-me, e desejo-me" Conheço o mal e quero remedialo: conheço o bem e desejo promovêlo: não posso; não tenho meios; não tenho auxilios; e não sei fazer nada sem elles. (…) Não vi ainda, nem provavelmente verei, o novo Jornal de Coimbra, em que me dizem que alguns Lentes são os redactores, ou emprezarios. Se nelle vem o que me dizem, pode affirmar-se com toda a verdade, que se converteo a medicina em veneno, e a nobre arte de ensinar e educar a mocidade em arte infame de seducção, e embaimento. E queixa-se V. Exª da immoralidade de Colares! e a de Coimbra!"
— 1ª CARTA SEM DATA: "A respeito da verdadeira época da introducção da cultura do Café no Brasil, não hei de esquecer-me de pedir a Drummond conta dos fundamentos da sua opinião, na forma que V. Exª me recommenda. O ponto he que elle os possa dar de hum modo positivo, e seguro! Eu estou certo que tenho sobre o assumpto huma pequena nota havida de hum Monge da minha Congregação que tinha visto (dizia elle) crescer a primeira planta do Café no quintal de Hopman no Rio de Janeiro";
— 2ª CARTA SEM DATA: "Hoje tenho carta de Coimbra, aonde ha socego, e sei por ouvir, quasi official, que o Correio regular do Porto trouxe boas noticias d’ali, e da provincia. As noticias, que por cá se tem divulgado, tenho-as por mentirosas, e tendentes a pôr as turbas em agitação. Por lá correm outras de grandes levantamentos em Lisboa… Ha gente que vive de incommodar, e perturbar, e embrulhar, e para estes santos fins tudo lhes serve. (…) Agora recebo carta de Santarém. Diz que Cesar com 50 a 60 cavallos de 4. se rebellára nos seus Dominios de Torres-novas, e que 70 e tantas outras praças e 30 cavallos vierão para Santarém com o seu coronel, e vierão (a 7) para Lisboa – A 8 havia socego naquella villa. Que Cesar e Jose Estevão chagarão a Thomar a 5 ás 11 da noite – no dia 6 a Cardigos, e que esperavão unir a si no Fundão o resto de 4, e em Castellobranco o 12 de infantaria."