COUTO (António Maria do).— JUIZO IMPARCIAL // SOBRE // VARIOS PONTOS GRAMMATICAES, // EM QUE NAÕ CONCORDA’RAÕ DOIS // PROFESSORES REGIOS // DE // GRAMMATICA LATINA; // […] // LISBOA // Na Offic. de Joaõ Procopio Correa da Silva, // Impressor da Santa Igreja Patriarcal. ANNO M. DCCCVI. // ‘Com licença da Mesa do Desembargo do Paço.’ In-8.º de 207-III-[II] págs. B.
“Dois Professores Regios, Religioso hum, outro Secular, naõ concordáraõ em certos pontos de Grammatica. Esta discordia, que no principio ameaçava luctuosas fatalidades, abrio huma copiosa fonte de erudiçaõ, que inundou a Republica Literaria. Divulgou-se logo hum papel anónimo, conhecido hoje pelo nome de ‘Engeitado’: tinha elle por segurar-nos a verdade, e a historia de tão erudita controversia; este papel porém foi como a trombeta, que rompendo o bellico clamor accendeo os animos á peleja. Publicado que foi, o Religioso desce ao campo, affronta intrepido o seu adversario; naõ recusa este o desafio, trava-se o temeroso combate. O Público costumado á longa paz, que as letras, naõ sei porque fatal destino, gozavaõ na Lusitania, ouvindo de repente o estrepito desta guerra litteraria, maravilha-se, e impaciente deseja saber já, qual dos dois Athletas foi o menino Troilo, que morreo aos olhos de sua Mãi, qual o valeroso Achilles, que coroou sua fronte dos louvoros immortaes. Por cumprir com este desejo, resolvi-me, a instancias de alguns amigos, a publicar este juizo imparcial: nelle examinarei, quanto em mim for, as questões Philosophicas, como Grammaticaes, que os sábios Professores ventilárão: advertindo porém, que hum simples Grammatico que naõ estiver enriquecido de huma sãa Philosophia, mal poderá entende-las, nem dar-lhe o pezo, que ellas merecem.” [Aviso ao Leitor]
“ARGUMENTO. Para melhor intelligencia deste ‘Juizo imparcial’, das Figuras, que nelle representaõ, e dos papeis os quaes servem de base a este mesmo ‘Juizo’; convem dizer, que o Professor ‘Secular’ foi quem presidío ao exame público, e que o ‘Religioso’ foi o arguente, entre os quaes houve as questões de que se trata. O ‘Rethorico’, que tambem he Professor Régio, quem se seguio a argumentar depois do ‘Religioso’, e que magistral, e indirectamente lhe impugnou os sophismas, que o Professor ‘Secular’ havia já desfeito: porém como se affirmasse indevidamente, que o ‘Religioso’ havia triumphado, e elle assim o assoalhasse; houve certo Indivíduo, que tomando a causa por si, espalhou hum Papel anónymo com o titulo de ‘Engeitado’, o qual publicamente patenteou os erros, em que o ‘Religioso’ havia cahido, a maneira, porque o ‘Secular’ os destruíra, e a energia com que taõ arteiramente o ‘Rhetorico’ os emendára, seguindo as pizadas dos Mestres (…)”.
Entre as Obras do autor figura este invulgar opúsculo no ‘Dicionário Bibliografico Português’, onde Inocêncio esclarece: “O auctor d’este opusculo foi o P. Lucas Tavares, então professor de Rhetorica no estabelecimento de Belem: e os dous professores adversarios na contenda eram Manuel Francisco de Oliveira, e Fr. Diogo de Mello e Menezes (…)”
A propósito desta violenta polémica académica, acresecenta Inocêncio no verbete dedicado a Fr. Diogo de Mello e Menezes: “(…) a ‘Grammatica do P. Mello não achou acolhimento favoravel entre os seus collegas no magistério; e alguns se declararam formalmente contra o seu methodo e doutrina, ou fosse por emulação, ou porque realmente não achavam nas suas regras e exactidão e generalidade que elle pretendia attribuir-lhes. D’aqui provieram graves contestações, manifestadas por occasião de uns exames, a que elle concorreu juntamente com o professor que então era no denominado Real Estabelecimento do Bairro de Belem, Manuel Francisco de Oliveira. Este, e os que o defendiam, fizeram publicar um livro, em que as doutrinas grammaticaes de Fr. Diogo eram confutadas, e declaradas erroneas. [Juizo Imparcial…]. Fr. Diogo pretendeu responder-lhes, e para o fazer mais a seu salvo, e sem dependencia da censura, que não deixaria de cercear-lhe algumas phrases inconvenientes, e mordazes de que se servia, mandou imprimir a sua resposta em Madrid, a qual sahiu sem o seu nome e com o titulo seguinte: (…) Guerra grammatica-crítica, declarada por dous Professores a um, ou o arguente das conclusões atacado e desatacado: que para divertimento do publico dá á luz á sua custa J. D. (João Dubeux, mercador de livros.) Madrid 1807. 4.º de 139 págs.
“Poucos terão hoje visto estes livros, e menos terão talvez noticia d’esta controversia, em que os contendores sustentaram suas opiniões com bastante tenacidade, escrevendo-se ainda por uma e outra parte alguns papeis que ficaram até agora manuscriptos.”
Embora com falta de um pedaço de papel na lombada, conserva as capas da brochura em papel pintado, da época.