TORREZÃO (Guiomar).— NO THEATRO E NA SALA. Com uma carta-prefacio de Camillo Castello Branco. David Corazzi – Editor. Empreza das Horas Romanticas. 1881. In-8.º gr. de 326-II págs. E.
A carta-prefácio de Camilo ocupa quatro das primeiras folhas: “As raras senhoras, que hoje tem nome illustre em Portugal como escriptoras, conseguiram joeirar a hervilhaca das fartas colheitas que fizeram nas searas francezas. Parece antes que formaram a sua escola no decoro e na modestia da litteratura ingleza; e, se alguma vez se deixam seduzir da velleidade menos delicada de parecerem homens, tornam-se mais admiraveis por talento, mas menos amaveis pelas graças.
“Aqui, n’este paiz — como v. ex.ª decerto não crê — ha tanto lyrismo e tamanha necessidade de o exhuberar em caçoulas de perfomarias, que os lyricos, se uma senhora se faz, em vez de idolo, sacerdotiza — em vez de poetizada, poeta – logo se consternam, cuidando que se lhes apaga uma estrella no seu olympo, e que, d’aqui a pouco apenas lhes será permittido fazer sonetos ás senhoras que tiverem ‘accessit’ no acto de mathematica.
“Eu, se estivesse na idade em que a poesia é mais preciza ao amor que a grammatica, decerto não recearia que me escasseassem amores bastantemente ignorantes e ingenuos a quem eu offerecesse a minha lyra para escabello dos seus escarpins; e a rasão é, minha senhora, por que o geito e gosto de escrever com acêrto é extraordinario em damas portuguezas; e, pelo tanto, não éde esperar que o melhor d’ellas se emancipasse da minha devota genuflexão, nem eu me entraria do pavor de as ver todas conjuradas como amazonas para espancarem os poetas e como as damas da Tracia que espostejaram Orpheu.
“Parece, todavia, que elles, os lettrados, se temem d’isso, a julgar pela malquerença com que os vejo contender com poetizas e romancistas!
“Publica-se tanta parvoiçada do meu sexo licenciada e gabada pela critica! […].
“Quantos escriptores de primeira ordem escrevem em Portugal como v. ex.ª? Quem lhe póde dar exemplos de elegancia de estylo, de profundeza e variedade de idéas indicativas de leitura vasta e methodica? Cada novo livro de v. ex.ª é um aperfeiçoamento que vai justificando os vaticinios dos que lêram as suas estreias balbuciantes. […]
“Raros talentos varonis conseguiram modernisar tão graciosamente sem desprimor dos fóros da sintaxe venerada por Castilhos e Garretts.
“Propende v. ex.ª, a espaços, para a escola da verdade no sentimento e no vocabulo; porém, tão senhorilmente exercita a arte tanto sensualista da nova geração, e tão discretamente sedesvia dos escolhos em que tocam os imitadores do romance da bohemia, que, ainda bem, nos faz v. ex.ª comprehender que todos os artificios e modos de expôr idéas são bins, quando os escriptores sabem pensar e escrever, como quem conversa em uma sala com um auditorio de pessoas bem creadas. […]”.
Volume de variados e interessantes capítulos, especialmente para a história do Teatro português e estrangeiro da época.
Encadernação modesta. Com falta das capas da brochura e com restauros nas primeiras e últimas páginas.